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sexta-feira, julho 01, 2005

A reinvenção das histórias

Não há história que só possa ser contada de uma única maneira. Mas, então, se de algum modo ela é alterada, continua a ser a mesma história? Reinventar histórias conhecidas aguça a percepção de que o mundo é feito de múltiplos pontos de vista.Quanto mais antiga a história, maior o número de versões que ela provavelmente terá. Pois, afinal, sabemos muito bem que "quem conta um conto aumenta um ponto". Os contos dos irmãos Grimm e de Andersen, por exemplo, são fruto de uma longa pesquisa de histórias populares, de narrativas da tradição oral que foram sofrendo alterações no decorrer do tempo. Hoje encontramos incontáveis versões para os contos mais consagrados que eles recolheram e compilaram. Esse é um tema interessante para discutir com as crianças na escola. Alguns livros, no entanto, se propõem algo mais inovador em relação à diversidade dos modos de contar: pretendem transgredir histórias muito conhecidas, operar recriações. É, por exemplo, o que Flavio de Souza faz em sua obra Que história é essa?, na qual conta histórias bem conhecidas, porém adotando o ponto de vista de personagens secundários que, muitas vezes, têm pouca participação no enredo da versão original. Outro livro em que algo semelhante acontece é A verdadeira história dos Três Porquinhos, de Jon Scieszka: ali o Lobo Mau narra a sua versão dos fatos, provocando, com isso, certa dúvida no leitor quanto à veracidade do que foi relatado em uma ou outra versão desse clássico da literatura infantil. Discutir com as crianças essas estratégias de criação amplia bastante seu olhar para as histórias e pode apontar novos caminhos de produção escrita. Nas classes de educação infantil é aconselhável apresentar e ler, ao longo de uma semana, várias versões de uma mesma história e em seguida perguntar às crianças sobre as diferenças e semelhanças percebidas entre elas. Depois pode-se sugerir que elas criem oralmente finais diferentes para os contos, produzindo versões do grupo. Pode-se também propor que alterem as aventuras vividas pelos personagens ou que incluam alguns novos, de tal forma que estes tomem parte nas ações relatadas. Com os alunos maiores, nas classes iniciais do ensino fundamental, é possível ampliar consideravelmente o trabalho. O professor pode sugerir a leitura de textos escritos do ponto de vista de outros personagens (como ocorre nos dois títulos mencionados antes) e discutir coisas muito interessantes. Pode, pouco a pouco, auxiliar seus alunos a considerarem pontos de vista diferentes: Será que existe sempre o bonzinho e o malvado? Cada personagem não terá tido suas razões para agir como agiu? Afinal de contas, o lobo precisa se alimentar de algo, é um animal carnívoro... Esse trabalho pode ajudar inclusive a discutir questões de ética, o que é tão importante na educação das crianças. Outras propostas de trabalho podem sugerir novas transgressões. Para isso, será necessário que o professor apóie a criação das diferentes versões, fazendo perguntas como esta: Agora quem quer ser a vovó da Chapeuzinho e contar a história como ela viu? O adulto deverá também dar sugestões que encorajem os alunos a acrescentar fatos e informações novas à narrativa conhecida; por exemplo: O que será que os caçadores estavam fazendo antes de entrar na história? Outros exemplos:
Alterar as características dos personagens e imaginar as implicações disso: como seria a história de Cinderela se ela fosse uma moça muito chata?
Introduzir modificações no enredo da narrativa original e, a partir disso, criar uma nova continuidade para ela: se João e Maria nunca tivessem encontrado uma casa feita de doces...
Acrescentar personagens de outros contos ou personalidades da atualidade em um conto consagrado: imagine que a Fera foi ao baile da Cinderela. Como a história ficaria?
Registrar encontros de personagens de dois ou mais contos distintos no decorrer de suas histórias: em que momento a Polegarzinha e o valente Soldadinho de Chumbo poderiam se encontrar? Como poderia ser esse encontro? O que eles diriam um ao outro?
É importante ter em mente que as crianças só poderão fazer as transgressões sugeridas e outras que poderão ser imaginadas se puderem ler e ouvir muitas histórias. Para que se sintam autorizadas e encorajadas a recriar narrativas consagradas, é preciso que tenham uma "biblioteca mental", um bom estoque narrativo na cabeça.Com as crianças maiores, da quinta à oitava série, a discussão pode ser mais aprofundada e as transgressões propostas a elas ainda mais elaboradas do que as anteriores. É possível, nessa faixa etária, propor que escrevam uma outra história, mas com os mesmos personagens vivendo situações semelhantes. Ou seja, a função deles dentro da trama não poderia ser modificada, apenas o contexto em que se encontram. Outra idéia é propor que pensem em transgressões livremente, desde que a história original possa ser facilmente identificada. Eles podem também ser solicitados a escrever diálogos entre personagens de uma mesma história, utilizando argumentos eficientes e eventualmente sugerindo, por meio do desfecho pensado para a conversação, novos rumos para o enredo das histórias conhecidas. Outra proposta é a reescrita de histórias conhecidas num contexto histórico e social diferente do usual, enfocando, por exemplo, problemas das grandes cidades brasileiras: Como se poderia reescrever a história de Pinóquio falando de seqüestro ou roubo de crianças? Que história poderia ser recontada enfocando a Aids, as drogas ou a prostituição? Além disso, podemos oferecer aos estudantes mais velhos informações sobre o contexto social em que várias versões de uma mesma história foram criadas, a fim de que compreendam algumas razões das diferenças entre elas.
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Extraído da revista eletrônica "Sala do Professor - Caderno de Leituras")

Um comentário:

Juliana Avancini disse...

Muito interessante os contos de todo mundo. Quanto mais envolver-mos com a leitura , mais estaremos abrindo a porta para a sabedoria. Trabalho com crianças, ministrando aulas de teatro em escolas municipais, e, percebi que durante todos estes anos, faltava alguém para dar esta iniciação teatral e o "tal incentivo a arte". Me sinto lesonjeada por ajudar estas crianças a descobrir o universo das artes. Fazer com que descubram o que está por trás das cortinas da leitura.Para muitos a timidez é vencida, para outros, um passo para a carreira. O importante disso tudo é que o trabalho em grupo é concretizado.
Abraços
Juliana Avancini
Itapira-SP